domingo, 3 de maio de 2020

PORQUÊ QUE A POPULAÇÃO ANGOLANA NÃO TEM CUMPRIDO COM AS REGRAS DO ESTADO DE EMERGÊNCIA?




Por: Bento José dos Santos
Comunicólogo e Escritor 

No dia 27 de Marco, o Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço fazendo recurso a constituição e da Lei decretou o estado de emergência em todo território nacional, devido a pandemia do Coronavirus o Covid-19.

Com a implementação do Estado de Emergência, três cenários podem ser desenhados quanto ao cumprimento por parte população perante as limitações constantes do referido decreto.

O primeiro cenário corresponde as zonas urbanas onde vivem os cidadãos com maior poder económico, e consequentemente se especula que são as zonas onde vivem as pessoas detentoras de mais conhecimentos porque hipoteticamente receberam mais instrução formativa ou porque estiveram submetidos em processos de educação constantes e aprimorados.

Neste primeiro cenário a realidade prática tem nos levado a uma constatação diferente de muitos prognósticos sob a alegação de que, quanto mais conhecimento ter um cidadão maior é a probabilidade do mesmo cumprir as regras.

Será?

Lamentavelmente a prática tem demostrado que não.

Muitas pessoas destes bairros urbanizados que antes eram constituídos apenas pelos bairros do asfalto do centro da cidade de Luanda, na actualidade também integram as novas cidades como a centralidade do Kilamba, a do Sequele, novos bairros como o Nova Vida, Talatona, Patriota tornaram mais extensa a dimensão das classificadas zonas urbanas.

Avaliando o grau de cumprimento do Estado de Emergência por parte da população que reside nestas zonas, infelizmente a realidade constatada é que os moradores destas zonas não têm cumprido com as regras pétreas do Estado de Emergência.

Num segundo cenário podemos identificar os moradores dos bairros da periferia.

Fazendo jus as perspectivas, no interior dos bairros da periferia de Luanda, apesar destes bairros serem também formados por pessoas com níveis de instrução e de educação acima da média, infelizmente nestes bairros também vivem muitas pessoas que não tiveram instrução, outras que possuem níveis de instrução e de educação muito baixo e muitas famílias sem poder económico.

Quanto ao cumprimento das regras do Estado de Emergência, infelizmente por parte deste grupo da população também foi fictício. A maioria das pessoas que vivem na periferia também não tem cumprido com as regras do Estado de Emergência.

O terceiro cenário pode ser descrito com o ambiente institucional que envolve as empresas públicas e privadas, instituições, organizações, ministérios etc. Neste cenário foi possível constatar um elevado grau de cumprimento das regras ditadas pelo Estado de Emergência.

Com base nestes três cenários é possível ensaiar a avaliação do grau de cumprimento do Estado de Emergência, desde que se faça o cruzamento das informações provenientes da observação local, com as informações oficiais provenientes dos órgãos do Estado. Neste particular o cruzamento faz-se com as informações divulgadas pela "Comissão Inter-ministerial para a Prevenção do Covid-19, ou pelo Centro de Informação Sobre o Coronavirus ou Covid-19".

Creio ser concordante que a opinião preponderante que vigora é a de que a população não tem cumprido com as regras decretadas pelo estado de emergência.

Isto porque diariamente constatamos a existência de pessoas nas ruas a venderem sem a observância e cumprimento das medidas de prevenção, vemos as pessoas a se aglomerem sem a observância das normas de prevenção, enfim.

A pergunta: porquê que as pessoas não tem cumprido com as regras oriundas do Estado de Emergência?

Para muitos a questão preponderante no parágrafo anterior é de fácil resposta. Alguns dizem: "as pessoas não tem cumprido com as regras e as medidas do estado de emergência devido aos elevados níveis de dificuldades que vivem. As pessoas vivem sob pressão permanente das consequências da pobreza e por assim ser, entre ficar em casa e correr e o risco de morrer de fome, e ir a rua a procura do que comer, desde que, para tal, tenha que infringir umas tantas regras, claramente as pessoas preferem correr o risco de infringir as regras. Aliás infringir regras faz parte do dia-dia de muitos cidadãos.

Os constantes episódios de infração e desrespeito as normas são gratuitos e ocorrem a todo instante. Por exemplo, parece ser normal os cidadãos deitarem restos de comida no chão. Jogam papéis e outros resíduos sólidos em qualquer lugar. Fazem necessidades fisiológicas em hasta pública e tantas outras práticas que o anormal passou a parecer normal para muitos cidadãos.

A impunidade em Angola parece ser Lei.

Por conseguinte, também existe uma outra hipótese fundamentada no comportamento de um vasto número dos integrantes da população que primam a sua actuação na indisciplina e por assim ser, não cumprem as regras e com tal conduta influenciam o comportamento dos outros membros da sociedade.

Outra hipótese que tem sido defendida por alguns profissionais da comunicação é a de: "não havido uma estratégia integrada de comunicação para a mobilização da população" e por isso, as estratégias que o governo implementou não alcançaram o principal objectivo do estado de emergência.

Entretanto, com os três cenários descritos foi possível formular três hipóteses. A pergunta de partida se mantém: porquê que os indicadores sociais nos revelam que a maioria da população não tem cumprido com as regras decretadas pelo estado de emergência, sabendo inclusive que o não cumprimento de tais regras põe em risco um bem individual que é considerado o bem maior que é a vida?

Para tentar entender a possível resposta que se faz necessária para está questão, tivemos que ensaiar o nosso nível de conhecimento multidisciplinar. Como era previsível, de forma primária identificamos a existência permanente dos factores de índole social como sendo os influenciadores do activismo do princípio da casualidade linear ou simples, que pode ser aqui entendido como: "foi decretado o estado de emergência devido a existência de um vírus que está a provocar a morte de milhares de pessoas. Assim sendo, as pessoas vão entender que devem cumprir com as regras imperativas do estado de emergência, por formas a salvaguardar a saúde de cada um".

Num segundo momento, esperava-se que o efeito dominó vinca-se, devido as notícias que provêm de outros países que, assim como Angola antes não conheciam a realidade concreta das consequências da doença Covid-19, e quando está se instalou naquelas sociedades, como por exemplo na Itáliana Espanha e nos Estados Unidos de América o número de mortos que passaram a existir nestes países devido ao Covid-19 tem sido aterrorizantes.

Infelizmente, mesmo com a perseverança do governo através da iniciativa presidencial em decretar o estado de emergência, sendo inclusivé um recurso constitucional usado pela primeira vez em Angola, a população não tem cumprido com a sua parte, no caso, o cumprimento das regras para evitar a propagação da doença. Porquê?

No livro "Comunicação Para Mobilização Social Pressupostos Para Acções Colectivas" do qual sou o autor, lançado no ano 2019, no capítulo 2, nas páginas 41-46 "Conceitos Sociais: Perspectivas de Integração em Processos de Mobilização" assim como no capítulo 4, páginas 121-146 "Factores que Condicionam a Mobilização Social" e não menos importante o capítulo 5, páginas 155-160; "Problemas Sociais e Responsabilidades Colectivas" fica evidente que com recurso a ciência podemos entender as razões que têm constituído as barreiras para que possamos entender que, apesar da população saber do risco da doença, inclusive as suas eventuais consequências, ainda assim manter a intransigência no que corresponde a necessidade do cumprimento das regras para se evitar a propagação da doença do Covid-19.

Espero não ser mal compreendido, pois não estou a dar aulas a quem entende das ciências de comunicação. Este exercício buscar atender a necessidade de tentar contribuir para que, se possa formular soluções para um problema transversal, tendo em conta que é, por meio do comportamento social que cada integrante da população deve cumprir com as medidas decretadas no estado de emergência; que ao não ter um cumprimento por parte da maioria da população podemos tirar várias ilações negativas.

Mas porquê que as pessoas não cumpriram com as regras oriundas do estado de emergência?

No mês de Março do ano corrente o director da Organização Mundial da Saúde fez um pronunciamento que infelizmente não mereceu todo apoio para a amplificação nos meios de comunicação social a nível mundial, tendo sido desvalorizado a sua abrangência, mas que ficou registado devido a sua relevância.

"Em outros países vimos como o vírus acelerou a partir de certo limiar. O melhor conselho para África é que deve preparar-se para o pior desde já", disse o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante uma conferência de imprensa virtual.

Apesar do apelo ter sido lançado tardiamente, a realidade é que o pronunciamento do director da OMS sobre as consequências da propagação do vírus em África constituía uma advertência cheia de significados negativos para os líderes africanos.

A mensagem do director da OMS esteve carregada de avaliações negativas para o continente, quanto as instituições de saúde no que concerne as infraestruturas, assim como também a assistência médica e de fármacos.

Apesar do director da OMS apelar os governos dos estados africanos quanto a necessidade de terem que olhar para fora no que concerne a observância da assumpção de experiências e olharem para dentro a nível da adaptação para a prevenção, a realidade actual revela que as acções internas de muitos estados africanos não têm cumprido cabalmente com o objectivo previamente definido com o decreto do Estado de Emergência. E como temos redigido, infelizmente Angola não é uma excepção.

A mobilização social é um processo complexo. Mobilizar é processo muito diferente em relação o processo de difundir informação, seja notícia ou qualquer outro género jornalístico.

E por assim ser, é preciso entender que a ciência é um recurso que nos ajuda a reduzir a margem de virmos a cometer erros.

No universo da ciência da comunicação existem as teorias de comunicação básica que abordam estes assuntos, dai a razão de existirem outras áreas de especialidade da comunicação como: o marketing, a publicidade as relações públicas, a propaganda entre outras.

Outrossim, apesar do pensamento ter na sua constituição vários factores e recursos, a linguagem introspectiva tem um papel preponderante na forma de pensar das pessoas.

Em grande maioria o pensamento humano é formado pela linguagem introspectiva. E porquê que falamos do pensamento?

Falamos do pensamento porque o pensamento é um factor primário na definição da acção humana. Buscamos o entendimento do pensamento dos cidadãos de forma generalizada como balão de ensaio para percebermos o comportamento a relação dos cidadãos e as instituições do estado quanto a observância das regras provenientes destas instituições.

Neste âmbito, identificamos a falta de confiança. A falta de confiança é uma emoção que os cidadãos tem perante as instituições do estado advindo dos altos níveis de corrupção que o povo conhece. A falta de confiança dos cidadãos projecta incertezas nos pensamentos e tem consequências negativas no comportamento social dos cidadãos.

Muitos cidadãos não confiam nas nossas instituições públicas. Não confiam nos serviços prestados pelas instituições de saúde. A prova desta alegação é diária pela concentração de pessoas em frente aos hospitais. Não confiam nos serviços de segurança pública. Não confiam em tantas outras instituições do estado que é necessário trabalhar para resgatar a cultura da confiança das instituições do estado.

Dai a visão do Presidente da República de Angola em eleger o combate a corrupção como uma das premissas do seu mandato.

Quando as pessoas vivem com desconfiança vivem com medo; o medo origina o egoísmo na perspectiva de cada um tentar salvaguardar os seus interesses.

Assim sendo, se a população não confia nas instituições do estado a mesma população não respeita a Lei que oriunda destas instituições.

Apesar da população poder obedecer uma determinada Lei devido o seu pendor imperativo com consequência coerciva, a obediência de uma determinada regra não garante o cumprimento ou o respeito da referida regra, tendo em atenção que sempre que as pessoas terem oportunidade pela falta de supervisão o cidadão deixa de cumprir as regras.

A esta associada a credibilidade. A credibilidade é um valor que é originado das relações aliadas a boa reputação que se ganha com as pessoas com as quais nos relacionamos.

A estratégia de comunicação para a mobilização social devia antes de mais trabalhar sob perspectiva deste racional para a formulação de uma estratégia integrada de comunicação para adopção em massa das medidas derivadas do Estado de Emergência.

Independentemente das inúmeras consequências derivadas da falta de confiança, a falta de confiança não é o único factor que tem levado a população não cumprir massivamente com as regras do Estado de Emergência. Os factores económicos, os factores psicossociais foram sintetizados nos primeiros parágrafos deste texto quando referenciamos a consulta do livro Comunicação Para Mobilização Social Pressupostos Para Acções Colectivas.

O Estado de Emergência foi decretado devido a pandemia do Covid-19. Milhares de pessoas tem morrido devido está pandemia. Nações antes super poderosas revelaram a fragilidade dos seus sistemas de saúde que certamente irá originar uma mudança do paradigma mundial pós Covid-19.

Angola não deve encarar a toda está situação apenas como sendo mais uma prova do apreendizado da vida. É necessário aprender com os erros e não errar para aprender.

O mundo não muda apenas com a vontade ou com desejos. Antes de mais, o mundo e a vida mudam com acções.

Só com outras acções por parte dos cidadãos será possível fazermos uma outra Angola, que seja melhor para cada um de nós, pois a vida deve ser feita com mais consistência do que intensidade.

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