sexta-feira, 16 de março de 2012

A ORIGEM II, ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO MUNDO


Bento José dos Santos


Espalhadas pelo mundo as organizações criminosas desenvolveram vários perfis em termos de estrutura, modo de actuação, finalidades e sectores da sociedade, compreendendo inclusive as relações de classe. A retrospectiva histórica quando acompanhada do estudo da cultura local, evolução socioeconómica e política serve para mostrar a capacidade de metamorfose do fenómeno criminal, tornando não apenas este ou aquele grupo específico, mas o objecto de estudo, como fenómeno que transcende as conjunturas, passando a apresentar-se com actores novos, num cenário novo, com enredos velhos.

É o caso do mafioso associado ao homem do campo ou do subúrbio, substituído pelo homem de instrução, político ou empresário.

Porém, é preciso que certas tradições culturais resistam ao tempo, para que haja contexto propício, no qual, grupos sociais possam transformar-se, fazendo parte de um momento histórico. Ao observar esse processo, na Itália, foi possível perceber semelhanças entre outros lugares como Rússia, Estados Unidos e Brasil.

A literatura folclórica, por exemplo, insiste em colocar o coronelismo como sinónimo de ética, honra, assim como poder político e social. A literatura desenvolvida sobre o tema não se interessou em mostrar que, além da presença marcante do coronelismo nas mais altas esferas da política brasileira, foi também sustentáculo do histórico populismo-oligárquico e anti-democrático que se vivia naquele país em períodos ditatoriais.

O coronelismo vivido no brazil na época, salvo algumas excepções, foi reduzido a uma relação na qual, o banditismo social promoveu o fenómeno do crime. Em outras paragens, na Sicília, os interesses das classes dominantes evoluíram numa versão vulgar, reproduzida como prato-feito para degustação intelectual dos jovens nas ruas, praças ou nas escolas.

Esta versão coloca o movimento do poder paralelo como um mero acto de criminosos andarilhos que, agindo em grupo, cometeram crimes hediondos, desesperando as populações dos bairros por onde passavam, ameaçando com isso, a paz social.

No entanto, este fenómeno tão complexo que viria a assombrar as sociedades pelo mundo foi reduzido a um facto sem historicidade. A máfia na Sicília, o coronelismo no nordeste brasileiro e o banditismo cá por Angola são fenómenos similares aos decorrentes em qualquer sociedade no mundo.

Dizer que o crime é resultado de uma sociedade injusta, explica muito pouco o problema, visto que, quanto mais o crime se organiza mais ele desestabiliza a sociedade da qual se julga produto. É preciso perguntar então, se é o crime resultado de uma sociedade injusta ou se uma sociedade é injusta porque o crime existe, e penetra em todas as esferas das relações de poder, reduzindo a possibilidade de uma sociedade mais justa.

De modo geral, a partir da relação entre a formação do Estado moderno e grupos sociais distintos, podemos afirmar que, os grupos organizados que poderiam ser apontados como típico banditismo social de um capitalismo em formação, seja nas classes subalternas ou dominantes, muitas vezes não formavam redes apenas num domínio especificamente doméstico.

As acções colectivas sempre foram organizadas por ordens. Ordens religiosas, às vezes secretas, inclusive pautadas nos princípios da caridade e amor ao próximo, implantaram as primeiras raízes do que viria ser no século XX o Estado do bem-estar social.

A questão é que a diversidade de ordens sempre esteve relacionada à diversidade de actuações. Das ordens beneméritas aos exércitos particulares, chegando aos grupos ou gangs. No entanto, mesmo perante as ordens que sempre normalizaram as sociedades, mesmo muito antes que qualquer modelo de Estado, assiste-se uma estruturação sombra que dá origem as organizações criminosas pelo mundo.

A análise da relação entre Estado e Sociedade pode nos remeter a dois níveis de indagação. O primeiro, a respeito de quando começa a haver uma penetração do poder do Estado, no sentido histórico-cultural, de coagir o comportamento humano, efectivando o que N. Elias chamou de processo civilizador. Ao mesmo tempo, um segundo nível de questionamento torna-se fundamental, ou seja, em que medida o Estado tem poder de penetrar, influir, modificar e consolidar formas de comportamento que podem se manifestar nas condutas individuais e na teia elástica do micro das relações sociais da vida quotidiana.

Perante a tal reflexão, não resistimos a tentação de estudar a origem de algumas organizações pelo mundo (continua ao longo da semana), tal facto poderá dar-nos visão mais esclarecedora no que tange a existência de organizações criminosas cá na nossa praça.

Já agora duas questões se levantam, o que achas…em Angola existe organizações criminosas?!!!

Organizações criminosas em Angola realidade ou ficção?!

quarta-feira, 14 de março de 2012

O POSICIONAMENTO SOCIAL FACE A ORIGEM DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS




Bento José dos Santos

A busca permanente para solucionar questões de índole social cai no rótulo, ninguém tem uma proposta abrangente e acabada para resolver de vez o problema da criminalidade. O que se pode dizer, com certeza, é que pelo mundo, ela vem crescendo de forma assustadora nas últimas duas décadas, acima de qualquer parâmetro de razoabilidade ou comparação com a média das nações.

Os distintos extractos sociais, mormente os intelectuais, procuram a solução e as respostas, invariavelmente, serão sempre as mesmas: mais educação, combate às desigualdades sociais, melhoria no sistema judicial, criação de sistema prisional que realmente reeduque e reabilite os criminosos, justiça ágil e eficiente, policiais com alto nível de profissionalismo e eficiência e vai por aí afora.

Aparentemente todas estas soluções são de médio e longo prazo, algumas até inviáveis para um país no estágio de desenvolvimento como o nosso.

Torna-se evidente que a sociedade não conhece como exterminar a criminalidade de imediato. Mas podemos identificar alguns aspectos que têm contribuído para aumentá-la. O principal é a impunidade. E esta tem relação directa com alguns mitos e tabus que, entre nós, se alimentam em relação ao crime. Dois, entre eles, são: 1 – a inimputabilidade penal dos criminosos menores de 18 anos e, 2 – a mística de que os bandidos são mais vítimas do que agressores da sociedade.

Para encontrar a origem das organizações criminosas em qualquer tempo ou lugar é necessário fazer um estudo histórico-antropológico e político de grande envergadura. Isto porque a maneira como o crime irá se manifestar em cada lugar está muito vinculada à trilogia: história, cultura e política. Seguindo esta ideia, talvez outros pontos comuns que possamos encontrar nestas origens sejam a necessidade de compreender como se estabelece a relação entre os estados e ordenamento social para efeito de início e orientação do estudo.

O conceito de processo socializador é um bom começo para o entendimento do problema. O antigo e permanente conflito entre ética e instinto, abre o espaço e concorre, ao mesmo tempo, em que se dá a formação do estado moderno a revelação da necessidade do estado em abarcar todas as relações sociais, sob manto de normas.

Esse projecto parece “falhar” em certos momentos tanto para indivíduos como para subgrupos em sociedades inteiras, particularmente na nossa sociedade.

É preciso ter conta também a transição da conquista da liberdade face ao colonialismo e o período de guerra civil até ao alcance da paz cá em Angola.

A implantação de um estado moderno num contexto em que as razões de estado entrelaçam-se com razões particulares, resistentes ao novo modelo de sociedade cujo ordenamento político-jurídido estava a começar a surgir, sugere a mesma problemática que Hobbes estava a debater no século XVII, quando afirmou que “em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, e tão longe de ser considerada contrária à lei de natureza que quanto maior era espoliação conseguida maior era a honra adquirida” (1997, p.141).

É num contexto como esse, de relações sociais pautadas em princípios fortemente tradicionais que surge uma justiça extra-legal, no sentido de não ser ajustada ao tipo de profissionalismo burocrático, regido por princípios como o da imparcialidade e soberania da Lei. Mas é uma ideia de justiça que permanece resquício de tradições familiares, códigos de honra e valores morais que vão orientando a efectivação da justiça paralela para a nossa sociedade.

A informalidade dos padrões de uma burguesia em ascensão se estende ao crime devido até mesmo a necessidade de manter certas formas de relacionamentos. E quando os padrões culturais e de consumo burgueses se tornam objecto do crime, ele tende a se organizar nos termos em que conhecemos hoje.


Se nas origens, a referência não foi necessariamente uma classe e sim a riqueza; como consequência, opulência, poder, a estabilidade transforma-se em ambições a serem conquistadas a qualquer preço.